sábado, 7 de março de 2015



No princípio eram os super-homens e os monstros. Em "Giù la testa", aquele momento longo, terno, divino, de uma violência seca e descarnada que se encontra entre a detonação da ponte e a morte das tropas oficiais e a descoberta por Rod Steiger que os seus selvagens também tombaram todos. É capaz de ser nessas catacumbas que se concentra de forma mais absoluta todo o peso moral e toda a ambiguidade devoradora. Só um cineasta de aflorada sensibilidade para "perder" tanto tempo e "desequilibrar" tanto a narrativa nessa escuridão. É a partir daí que a consciência aguda de valores, de reversos, da perdição da vida e do nada se começa a manifestar até à hecatombe final. A partir daí os olhos mais não param de pingar e as chagas de sangrar. Por fora e por dentro. Para se perceber finalmente que Sergio Leone é um dos maiores poetas, pintores ou encenadores, que o cinema permitiu. Mas poeta inteiro, cristalino e contraditório. Os zooms fulminantes, o grão pulsante, os estilhaços omnívoros, a perscrutação do rosto, todo o movimento físico e toda a atmosfera grotesca desembocou em momentos desses. Um homem sozinho, no meio da guerra, da revolução, do mais geral, da fúria, e com o seu amigo ao lado. Mas sozinho. E as lágrimas e o sangue da incompreensão.

De resto, Cinema, só Cinema, assim mesmo, de forma Capital. "Giù la testa" faz parte desses turbilhões viscéreos que se podem ver cortados, no formato errado, a preto e branco ou com as cores pessimamente calibradas, enfim, todo truncado pelos produtores, exibidores ou demais cepos. Que mesmo assim mantêm a plena força e fundo a carburar. Cinema, nada menos que Cinema. Homens, Cinema feito por Homens da Vida. O que nos resta quando somos apenas Homens. Daqui às estátuas de “Once Upon a Time in America” apenas um tirinho, ou a passagem lógica. Só Cinema.
 

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