segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016


“The Killing” não é um mecanismo perfeito, um relógio suíço montado e mantido à maneira de Jean-Pierre Melville. A começar pelo actor mais visível do grupo que almeja o golpe das suas vidas - longe da possibilidade de ser um ponteiro firme como o foi Alain Delon, Sterling Hayden, talvez ainda agitado pelos ventos e fogos de “Johnny Guitar”, treme por todos os lados e ainda por cima tem o destino a fazer-lhe marcação cerrada.

No grupo há pouco ou nenhum do sangue frio necessário para tais movimentações e timings, e a forma como Stanley Kubrick monta o mosaico ou o explosivo apenas manifesta o antro de perdição em causa e a incapacidade dos artifícios formais e do génio da manipulação artística para investir contra a ontologia puramente e fundamente humana. Casais criados pela manipulação do sexo e do dinheiro, solitários mantidos em acção pela violência a testar, a doença e a fidelidade e o vício indomável em atracção, é desta matéria composta as almas e os corpos em pulsões turvas e turbulentas, que terão de funcionar como o tal objecto imparcial do tempo e do espaço científico.

Ao invés da ciência será o sagrado a advir, isto é, a imprevisibilidade, a transcendência, a síncope que a missão humana ostenta em relação à máquina. E da gama de sentimentos ignóbeis que cobrem e riscam a crosta do preto e branco para também lhe retirar a gaveta do género noir, há resguardada a noção e a luz clara de que nem todos são assim tão odiosos. Ao invés do circo da política, do circo das finanças ou do circo da segurança social, da polícia e da lei, enfim, ao invés das autoridades protegerem as pessoas, a carne e o osso, os cidadãos, os frágeis, a nação, etc., parecem eternamente trabalhar contra eles – nunca se há-de compreender o grande paradoxo da chamada sociedade oficial e é isso que faz cair os protagonistas deste filme. Ao invés de a política servir as pessoas, faz-lhes a vida negra, e é isso que faz cair os protagonistas deste espelho.

Depois de tanta coisa feia, o final é o instante mais feio, essa cena desconsolada logo depois do acaso da ciência e do acaso do sagrado se embrenharem. Porque entre tantas girândolas contradiz ou continua o desfecho do anterior “Killer's Kiss”. Ao abraço sucede-se um abandono de um desejo tão lindo e, sem dúvida, puramente inocente. Yeah... What's the difference?, responde Hayden ao amor incondicional, e tudo é desamparo e armas apontadas, suplício e Apocalipse. A cruz de KK invertida, a negação em hipótese, e o resultado de tanta perfeição dos nossos altos. Mas já a possibilidade de uma moral de toda a obra de Kubrick: toda a espantosa precisão só revela da destruição. Ou seja, uma generosidade que tem de permanecer trancada. Porque em primeiro ou em último plano demencial.

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